Dra. Katy Robjant (Reino Unido) conversa sobre a relação entre trauma e direitos humanos e o trabalho da NET com comunidades. Conheça um pouco mais sobre a professora do primeiro curso de NETfatos no Brasil.
"A maioria das pessoas que vivenciaram traumas sofreram pelo menos uma
(mas provavelmente várias)
violações de direitos humanos"
Dra Katy Robjant
Katy é consultora especializada da ONU sobre o impacto psicológico de violações de direitos humanos. Tem experiência no trabalho com sobreviventes de tráfico humano, tortura, migrantes e refugiados em diferentes países. É diretora executiva da clínica e fundação Helen Bamber de combate ao tráfico humano - Reino Unido. Desenvolveu a terapia de exposição narrativa para comunidades - NETfatos na República Democrática do Congo. É fundadora do Instituto NET Internacional.
Qual a sua experiência com a terapia de exposição narrativa - NET?
"Eu comecei a trabalhar com a NET em 2008, logo após minha qualificação como psicóloga clínica no Reino Unido, porque eu era apaixonada por trabalhar com trauma e tinha um interesse especial no trabalho com refugiados."
Eu estive envolvida em um projeto financiado pela União Européia para ajudar a disseminar a NET em vários países, e minha tarefa era fazer isso no Reino Unido. Desde então, pessoas que sofrem com o trauma têm conseguido acessar a NET na maioria dos serviços especializados em trauma no Reino Unido, mas também em serviços de atenção primária. Eu tive o prazer de participar de treinamentos em NET em muitos contextos internacionais e agora no Instituto NET Internacional, do qual sou uma das fundadoras. Tive a sorte de ter a oportunidade de coordenar um projeto no leste da República Democrática do Congo por alguns anos, onde implementamos a NET e a FORNET (a versão adaptada para aqueles que também perpetraram violência) em centros de saúde, ONGs e Organizações Comunitárias. Foi lá também que desenvolvemos o NETfatos
Do seu ponto de vista, qual é a conexão entre trauma, direitos humanos e NET?
A maioria das pessoas que vivenciaram traumas sofreram pelo menos uma (mas provavelmente várias) violações de direitos humanos, como abuso/negligência na infância ou na idade adulta, violência perpetrada por outros, guerra e conflito, tortura, tráfico, a lista continua, infelizmente. Devido à forma como o trauma funciona e à psicopatologia do TEPT, em que a evitação é uma característica fundamental, essas experiências nunca são compartilhadas. O sobrevivente, portanto, sofre em silêncio. Ninguém consegue entender o que está acontecendo com ele, o que por conseguinte reduz a possibilidade de cuidado, bem como de consequências para os perpetradores. Os sobreviventes não são apenas estigmatizados pelo trauma que enfrentaram (especialmente em casos de abuso sexual e estupro), mas também pelos próprios sintomas de saúde mental resultantes. Em geral, é mais provável que sejam excluídos do que recebam os cuidados de que precisam. Da mesma forma, os agressores não são confrontados nem conseguem se recuperar de suas agressões e traumas sem tratamento e, assim, o ciclo de violência continua. Com os tratamentos individuais da NET e da FORNET, o sobrevivente pode se recuperar e reduzir sua evitação e, muitas vezes, encontrar coragem para falar sobre o que aconteceu, reduzindo o silêncio e se recuperando da violência que sofreu. Mesmo que nunca contem isso a outras pessoas, elas têm o conhecimento de que, na NET, o terapeuta documentou o que aconteceu.
A NET foi adaptada para trabalhar com comunidades. Como a NETfatos funciona?
"O problema de manter o foco nos indivíduos é que a comunidade mais ampla pode não entender as experiências dos indivíduos traumatizados (seja do lado da vítima ou do agressor - embora muitos sejam, na realidade, ambos). Portanto, os sobreviventes e os perpetradores permanecem estigmatizados e socialmente excluídos, o que aumenta a probabilidade de sofrer mais traumas."
A NETfatos procura cuidar das pessoas individualmente com a NET e a FORNET, enquanto que ao mesmo tempo compartilha narrativas compostas anônimas dos traumas comuns vivenciados pela comunidade, para em seguida, facilitar uma discussão prática sobre as necessidades das pessoas que passaram por essas experiências e como a comunidade poderia ajudar. Isso também quebra o “tabu” de certas experiências e, ao mesmo tempo, garante que o quadro completo dos traumas ocorridos na comunidade seja conhecido. Caso contrário, assim como os indivíduos que estão evitando pensar e discutir o trauma, a comunidade também tem uma compreensão incompleta, evita e estigmatiza os pontos de vista.
Durante a NETfatos, os indivíduos que não precisam de um tratamento completo, mas podem precisar “processar” um ou dois eventos ou compartilhar suas experiências na “linha da vida da comunidade”.
Por meio da NETfatos, a comunidade que passou por eventos traumáticos é cuidada, se tornando mais inclusiva, com menos estigma e com mais possibilidades de cuidado.
Onde a NETfatos foi implementada até o momento?
Até o momento, na República Democrática do Congo, no Brasil e na Suécia. Foram configurações muito diferentes com populações diversas! Isso mostra como a abordagem pode ser amplamente aplicável. Em breve, ela poderá ser usada na Ucrânia e também na Etiópia e, com sorte, em muitas outras áreas com diferentes comunidades. No final das contas, a aplicação do NETfatos é adaptada culturalmente ao contexto, mas os princípios básicos permanecem os mesmos.
Para saber mais sobre a experiência da NETfatos no Brasil visite: Música e vídeo "uma saída"
Para inscrição no curso de NETfatos presencial no Rio de Janeiro 28/09/24, acesse aqui: Curso internacional NETfatos O curso ainda conta com a Profa Elisabeth Kaiser (Alemanha)
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